domingo, 22 de maio de 2011

Arapaçu na espiral da fama

Arapaçu-verde (Sitassomus griseicapillus) em tronco de Bracaatinga

A primeira vez em que falei de Arapaçu em São Leonardo, o pessoal olhou meio desconfiado: ninguém conhecia. Descrevi o bicho, aí, a coisa piorou. A resposta foi única: é pica-pau e ponto final.

Vai daqui, vai de lá, até que certo dia apareceu um Arapaçu na nossa conversa: “isso daí é uma picapona, não presta pra nada, é devoradora de colméias” fulminou o vizinho, espantando o inocente. 

Nosso trabalho com a comunidade é penoso, pois a cultura local enxerga somente passarinho na gaiola. Aves silvestres são ignoradas ou ameaçadas. A criançada é sempre a esperança, para elas vai nossa especial atenção.

Só consegui reabilitar o Arapaçu muito depois, numa exposição em que fotografei um exemplar de perfil, com o detalhe da cauda apoiada no tronco. A ave foi reproduzida em convites para a inauguração da exposição Aves da Floresta Atlântica no Parque Ingo Altenburg, em Ituporanga, porisso ficou famosa. Também está no Cartaz das Aves que nós produzimos e que já circula por muitos cantos mundo afora.

Falar dos Arapaçus é bacana, a começar pelo uso que fazem da cauda como apoio, quando “escalam” árvores (repare bem na foto). Sobem em espiral e despencam de ré, voando rápido e quase sempre pousam na vertical.

O colorido aparenta homogeneidade; visto de perto tem padrões espetaculares!

A vocalização é impressionante, forte. Gostam de cantar nos dias chuvosos e as vezes são as derradeiras vozes do entardecer.

Insetívoros, usam o bico como pinça; exploram fendas nos troncos, onde buscam desde larvas a pererecas, girinos e lagartixas. Pouco saem da mata protetora. São abundantes em florestas neotropicais, principalmente nas primárias, por encontrarem antigas árvores, ocas, secas e buracos prontos para nidificar.

Durante muitos invernos tivemos um Arapaçu-grande (Dendrocolaptes platyrostris) dormindo no beiral de nossa casa, um vizinho perfeito.

Certa vez, eu e Gabi conversávamos na varanda da Reserva, quando este Arapaçu-grande pousou em meu peito, numa camisa de flanela xadrez. Olhou calmamente ao  redor, vendo que nada tinha a explorar neste pequeno “tronco” voou, nos deixando rindo à toa, pela visita tocante.

Assim, a gente segue mostrando essa e tantas outras histórias, porque sabemos o quanto um bicho precisa estar em close, ficar famoso, para ser respeitado, reconhecido.

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